Far Cry 5: Um passo para trás na franquia?

Far Cry 5

Far Cry 5 foi uma decepção para os fãs da franquia, e é possível dizer que o desapontamento foi causado pela própria Ubisoft, desenvolvedora do jogo. A produtora criou expectativas extraordinárias em torno do jogo e de sua história que apresenta uma seita religiosa que claramente retrata a situação complicada e atual da extrema direita americana.

Após uma campanha de marketing que vinculava imagens religiosas com imagens militarísticas, os jogadores claramente esperavam uma poderosa mensagem política (ou ao menos uma sátira inteligente) do jogo, o que acabou não sendo o caso. O que quer que você espere pela campanha de marketing em questão da retratação da cultura armamentista, milícias e seitas armadas, você provavelmente não irá encontrar na rasa história de Far Cry 5.

Não é que Far Cry 5 seja de todo ruim. Assim que você desistir da história chegar a algum lugar interessante, você poderá encontrar muitas boas surpresas também, especialmente se já jogou os jogos anteriores da série. Para quem acompanha a franquia desde seu início em março de 2004, a jogabilidade parece estar se tornando já cansativa e repetitiva após cinco títulos com aproximadamente as mesmas mecânicas. Nisso, Far Cry 5 soube inovar.

Agora, a grande maioria dos objetivos primários e secundários chegam a você de maneira muito mais orgânicas, ao invés de serem apenas uma linha reta de missões como em títulos anteriores. Em sua missão para conter o crescimento de um culto cristão vagamente ameaçador em Hope County, você irá encontrar alguns focos de atividade somente na base da exploração. Os maiores destes locais são semelhantes aos outposts, ou “postos de controle” apresentados na franquia desde Far Cry 2. Uma vez que você eliminar todos os cultistas daquele posto de controle, ele se torna uma safehouse abrigada por outros jogadores que irão ajudá-lo em sua missão ou simplesmente te jogar algumas missões extra pelo caminho.

Esta progressão mais natural do mapa não acontece apenas com os postos de controle. Se você, por exemplo, elimina algum cultista que está levando cidadãos para fazerem uma lavagem cerebral ou consegue salvar um civil do ataque de um animal selvagem, sua recompensa será na maioria das vezes uma única nova missão, ao invés da explosão de ícones no mapa que encontramos em outros títulos da Ubisoft constantemente (inclusive nos anteriores da franquia). Isso torna o mapa muito mais fácil de gerenciar e a mudança também traz a agradável recompensa de não sentir que enquanto joga está apenas limpando pontos do mapa com pequenas e inúteis missões.

Far Cry 5

Uma fórmula vencida

Infelizmente, a receita básica para criar um jogo de Far Cry segue a mesma em diversos aspectos e já se torna um pouco cansativa a esta altura. Você certamente sentirá isso quando começar a encontrar os pontos de interesse do mapa. Enquanto Far Cry 5 finalmente traz um avanço considerável no tamanho do mapa (após os fracos avanços em Far Cry 4 e o altamente criticado Far Cry Primal), a série ainda não aprendeu como preencher adequadamente os espaços que ela cobre.

O espaço em Far Cry 5 é dividido basicamente em três áreas, cada uma liderada por um capitão diferente do culto apocalíptico e cada um com seus próprios interesses em vista. Apesar destas diferenças, você irá realizar basicamente as mesmas atividades em todas as três regiões sem muito conflito ou diversidade entre um local e outro. A terra de um dos líderes é recheada de silos cheios de fertilizantes inflamáveis para você atirar e causar explosões, enquanto a terra da psicótica irmã mais nova é recheada de capelas cheias de barris para você atirar e explodir do mesmo jeito. Há uma diversidade em roupas e estética, mas o nível estratégico permanece o mesmo.

Estes padrões não terminam por aqui. Os produtores tornaram Far Cry 5 em um jogo mais comercial ao eliminar a mecânica de criar seus próprios upgrades e ganhar pontos de experiência. Agora, toda nova habilidade vem de pontos de vantagem, ou Perks. Você ganha estas habilidades ao cumprir certas missões como matar 20 inimigos com uma escopeta, matar 20 inimigos com uma pistola, e por aí vai.

Desta forma, seus upgrades agora já não dependem tanto de um esforço do jogador para alcançá-los, mas sim, apenas da progressão natural do jogo. Você não irá sentir que precisa matar três tigres brancos urgentemente para ter mais munição como em Far Cry 3, por exemplo. Você pode só seguir seu jogo naturalmente que ocasionalmente os popups informando que você desbloqueou algum novo recurso vão seguir aparecendo e seus upgrades virão sem qualquer esforço adicional de sua parte.

Far Cry 5

Esconderijos secretos

A única vantagem deste novo sistema de upgrades são os novos esconderijos secretos. Estas pequenas “masmorras” são, sem dúvidas, o maior acerto de Far Cry 5 e sacodem o modelo já viciado de batalha que vem se repetindo desde o segundo título da franquia, além de entregar alguns quebra-cabeças muito bem vindos.

Fãs da franquia de longa data podem até reconhecer um pouco estes esconderijos como ideias baseadas nas torres de Far Cry 3 e 4. Ainda assim, as torres destes jogos não se comparam ao nível que Far Cry 5 chegou neste sentido, tendo muito mais flexibilidade para criar quebra-cabeças muito mais inteligentes.

Enquanto em um deles, por exemplo, você precisará seguir uma série de ganchos no teto sem cair para chegar ao final e ganhar seus pontos de experiência, em outro você precisará usar sua sniper para acertar um ponto do outro lado de um lago e em um outro, terá que escalar uma torre enquanto manobra cautelosamente entre colméias de abelhas. São quebra-cabeças menos padronizados e mais inteligentes, levando o jogador a realmente queimar alguns neurônios para concluí-los.

Chega a ser um pouco decepcionante chegar ao final de todos estes quebra-cabeças para encontrar sempre o mesmo prêmio: um pilha de dinheiro e alguns pontos de experiência. A franquia poderia muito aprender com RPGs de mundo aberto as possibilidades destes esconderijos e fornecer ao jogador algumas armas secretas, recursos secretos ou até mesmo habilidades mas peca neste sentido, assim como todos os seus antecessores. Isto vem pra nos lembrar novamente que estas distrações apenas mascaram um jogo que acaba deixando a desejar muito mais do que entrega.

A lista de falhas na jogabilidade de Far Cry 5 inclui também os combates aéreos. Eles são lentos e muito simplificados, com “brigas” de avião pelo ar nada comparáveis a combates reais. Outro ponto levantado por muitos jogadores é a péssima mecânica dos desafios de direção de veículos, já que estes são péssimos de dirigir e tiram grande parte da visão do motorista na vista em primeira pessoa do jogo.

Qualquer jogador ainda sentirá a adrenalina pulsar ao dominar um novo posto de controle, mas estes parecem muito mais simplistas do que nos jogos passados. Talvez seja porque Far Cry 5 já possui um sistema de cura automática, eliminando a tensão de ter que se esconder rapidamente para tirar uma bala de seu braço antes de voltar ao combate. Talvez seja também porque as mecânicas são praticamente as mesmas dos jogos anteriores, então para alguém que já jogou seus antecessores o jogo já é sentido como mais fácil, já que você já sabe tudo que deve (e não deve) fazer para dominar um posto.

Independente do que seja, certamente não causa o mesmo impacto do que o domínio de um posto em Far Cry 3, por exemplo. Especialmente para jogadores mais experientes.

Far Cry 5

História fraca

O que mancha ainda mais a imagem já decepcionante de Far Cry 5 é a trama, que tinha o potencial de fazer algo extraordinário e novo, mas acabou apelando para clichês e alusões políticas sem qualquer profundidade. O jogo chega bem próximo de abordar os problemas do mundo real relacionados ao controle religioso e psicológico de determinados grupos, apenas para parar antes da hora e passar a traçar paralelos diretos às suas óbvias inspirações.

A história de Far Cry 5 começa vazia e nunca melhora. O projeto de Eden’s Gate, ou Portões do Éden, é um culto religioso que quer dominar uma grande terra nos Estados Unidos onde seus membros poderão curtir sua religião e suas armas sem serem assediados pelo governo. Você, obviamente, representa o governo nesta relação. Como xerife, você inicialmente tenta prender o líder da seita, Joseph Seed. Ao falhar, você tem uma extensa cena de ação que termina com um cidadão te salvando no último minuto e te levando a um grupo de cidadãos contra o culto. Parece familiar? Se sim, é porque é basicamente idêntico ao início de outros jogos da franquia.

A verdade é que Far Cry 5 nem tenta entregar esta história fantástica que todos esperávamos. Os líderes da seita constantemente repetem a frase “quem está no comando”, fazendo referência direta a Donald Trump, fazem alusões constantes aos problemas da mídia atual e a supostos “pecadores” que estão levando a sociedade à ruína. Apesar disso, o jogo não tem nada realmente crítico a dizer além destas vagas referências, nem mesmo tem a audácia de se aprofundar nos impactos sociais causados por estes elementos citados.

Em alguns momentos, isso parece ser um movimento calculado para que Far Cry 5 possa fazer seu posicionamento político sem perder legiões de jogadores no caminho. Em outros, parece mais que os roteiristas apenas se perderam nas delicadas implicações que o tema abordado engloba. Nem os cultistas nem a resistência citam diretamente nenhuma das opressões clássicas causadas por estes grupos como racismo ou homofobia, por exemplo. Na verdade, ambos os grupos são totalmente diversificados; o que não tem qualquer relação com a realidade. Ao mesmo tempo, em uma interação com um teorista da conspiração você ouve sobre a “conspiração globalista” e outros temas correlatos.

Isso não é muita novidade se tratando da Ubisoft, que nunca conseguiu fazer um posicionamento político de qualidade. Mas neste contexto em particular, soa mais como uma tentativa de “bater e assoprar” em determinados grupos. Ou seja, soa como medo de arriscar. No geral, o jogo parece muito preocupado em não ofender ninguém, o que claramente não era o caso de outros jogos da série.

Mesmo que os roteiristas de Far Cry 5 se empenhassem em algo realmente relevante na história, é possível dizer que ela já não teria salvação. Os problemas da trama são mais profundos do que apenas isso. Os personagens são apresentados sem qualquer introdução ou trama que possa nos fazer entendê-los e empatizar com eles, e são removidos da trama com a mesma indiferença.

Uma missão, por exemplo, envolve o salvamento de um pastor e seu amigo de um ataque dos cultistas. Dali em diante, eles se tornam os responsáveis por te passar as missões daquela região, te chamando pelo rádio e te direcionando à próxima missão por grande parte de Far Cry 5. Acontece que, apesar desta relação, você não sabe nada sobre estes personagens além destas informações básicas.

Não é que suas histórias sejam fracas ou dispensáveis, mas sim que elas sequer existem. Todo NPC (personagem controlado pela inteligência artificial do jogo) é totalmente alheio à história central do jogo e não possui nenhum diálogo que preencha suas histórias e apresente suas motivações para aderirem a uma “guerra” desta forma, te levando a sentir que o tempo conversando com eles é um tempo totalmente perdido.

Ainda assim, Far Cry 5 espera que você crie este apego aos personagem o suficiente para enfrentar dilemas e escolhas morais delicadas no fim da história de cada área. Para fins de comparação, ainda que Far Cry 3 e 4 não sejam jogos perfeitos, as motivações dos NPCs e suas histórias prévias são bem construídas e assombram as mentes de jogadores até hoje.

Para fechar com “chave de ouro”, Far Cry 5 também não parece ter sido muito refinado. Quando os seus seguidores falam algo, por exemplo, são sempre as mesmas três frases repetidas constantemente, às vezes até sobrepondo uma outra fala repetida de outro NPC e tornando-se apenas chatas distrações. Estes exemplos de um fraco desenvolvimento são apenas algumas peças de um jogo que apresenta problemas maiores.

Far Cry 5

Considerações finais

Far Cry 5 vem de uma série renomada que atingiu sem pico no terceiro título, mas não conseguiu emplacar nada melhor desde então. Far Cry 4 já foi de certa forma decepcionante para muitos jogadores, e Far Cry 5 fortaleceu ainda mais a ideia de que o terceiro título foi um acerto na loteria, e que dificilmente será acertado novamente. Em alguns momentos você irá sentir o alto potencial de Far Cry 5, especialmente visitando os esconderijos secretos e desvendando seus quebra-cabeças. Colocando todo o jogo em uma bacia só, no entanto, ele parece inferior às suas maiores qualidades.

Far Cry 6 está prestes a ser lançado e já gera altas expectativas. Com o fantástico Giancarlo Esposito no papel do vilão e com um trailer bombástico já lançado, o jogo promete quebrar esse paradigma mas isso, só o tempo vai dizer.

______

Decepcionado com Far Cry 5 também? Confira aqui o que achamos do melhor título da franquia, Far Cry 3!

Autoridade em games para celular.
Back To Top